sábado, 17 de dezembro de 2005

Olhares

Samarone Lima

Vi uma flor no chão
E peguei para ti

Vi um sorriso
Escondido na lacerada manhã
E guardei para a festa

Vi minhas mãos suspensas
No bico de um pássaro
E silenciei para teu olhar

Vi qualquer coisa de incerto
Qualquer coisa de humano
Neste banco de praça
Branco e calmo.

E vi uma flor imóvel
Calada,
Rezando pela vida

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Memória

Samarone Lima

Imaginarei casas para ti
Calendários sem dias definitivos

Te escreverei cartas e canções
com a caligrafia do tempo

Terei teus olhos tão próximos
Como uma cicatriz

Cuidarei de tuas formas
Arrancarei teus espinhos
E te acalentarei na doçura

Quero olhar-te, mesmo sem luz
E te encontrar na matéria efêmera
Onde queima minha memória

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Porque me disseste que vinhas

Samarone Lima

Porque me disseste que vinhas
Eu não dormi
Vesti a melhor roupa anos inteiros
Evitei as cebolas e os
Parapeitos.

Tive sempre os cabelos molhados
A boca molhada
As mãos molhadas
O coração úmido.

Pois me disseste que vinhas
Não havia mais data ou calendário
Deixei uma vida de sobreaviso
Em cada tarde eu ouvia a tua voz
Os passos na escada
Eram os teus passos maduros
Sorrisos ermos eram tua boca
Em outras bocas que não amo.

Porque eu sabia que vinhas
Então refiz as barras das calças
Colei flores às samambaias
Lavei com força as camisas brancas
E os chinelos
E o rosto
e as calçadas.

E cada dia que não chegavas
Adormecia em mim um silêncio
Que marcava as estradas e os desertos

E cada ano que não chegaste
Resultou uma soma de tempo
Inútil e vazio
Cheio de outro tempo que é meu

Meu e de mais ninguém.

Porque me disseste que vinhas

Samarone Lima

Porque me disseste que vinhas
Eu não dormi
Vesti a melhor roupa anos inteiros
Evitei as cebolas e os
Parapeitos.

Tive sempre os cabelos molhados
A boca molhada
As mãos molhadas
O coração úmido.

Pois me disseste que vinhas
Não havia mais data ou calendário
Deixei uma vida de sobreaviso
Em cada tarde eu ouvia a tua voz
Os passos na escada
Eram os teus passos maduros
Sorrisos ermos eram tua boca
Em outras bocas que não amo.

Porque eu sabia que vinhas
Então refiz as barras das calças
Colei flores às samambaias
Lavei com força as camisas brancas
E os chinelos
E o rosto
e as calçadas.

E cada dia que não chegavas
Adormecia em mim um silêncio
Que marcava as estradas e os desertos

E cada ano que não chegaste
Resultou uma soma de tempo
Inútil e vazio
Cheio de outro tempo que é meu

Meu e de mais ninguém.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Um poema

Samarone Lima


Queria um poema
Que tivesse a lembrança da tosse
O orvalho das incertezas
O silêncio das cadeiras
No fim de cada sessão

Que falasse dos suicidas
Que mesmo sem terem saltado
Nunca sobreviveram

Que tivesse a batida de uma palavra
Entre os dentes da mulher amada.

Um poema que coubesse
No intervalo dos teus lábios
Nas goteiras de velhas casas
Em algum canto de tuas costas,
Onde as lembranças falham

Um poema que fosse ácido nos olhos do tempo
Que fosse tão esperado
Como tuas mãos

Um poema que não precisasse das minhas palavras
Nem do meu corpo
Nem da minha dor

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Terça-feira

Gustavo de Castro e Silva, poeta brasileiro

Todas às vezes que páro de fumar
começa a nevoar sobre a cidade.

Daí retorno o meu fumar para dissipar
tudo ao redor.

Hoje olhei o meu currículo e não vi nada
de importante.

Dei duas voltas no parque e sonhei sonhos
de ontontem.

Fui até o banheiro me espiar ante o espelho
mas só encontrei latrinas.

Estive em uma reunião onde nada ocorreu
nem nada foi decidido.

Depois pensei em ir ao cemitério pois lá a névoa
é mais enevoada.

“Êta goroa boa
para não fazer
nada”, pensei.

Pois a vida é assim mesmo...
Constantemente esfumaçada.

A vida tem nome sujo
no Serasa.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Necessidades

Samarone Lima

Necessito ver-te
Para falar de coisas que nem mais se respeita
(borboletas, azulejos, minhocas, arroz-de-leite)

Necessito que me amarres
Um pouco do senhor do Bonfim
E que rezes um pouco por mim.

Necessito teu pouco, teu simples
Teu arroz com feijão, teu
Passeio de bicicleta.

Necessito que teu amor necessite de mim.

É preciso sorte para não perder a vida de vista

Samarone Lima

É preciso sorte
Para não perder a vida de vista.

É preciso a atenção dos marinheiros
A calma dos bancos de praça
A malícia dos pipoqueiros
que nos vencem pelo cheiro

É preciso força
Para não perder a vida na volta.

É preciso sorte e distração
É preciso vontade e dispersão.

É preciso o tanto do tão pouco
Uma ponta acesa no nada.

É preciso tocar as brasas
E se o fogo queimar
Lamber as cinzas

Com saliva de fome e amor.