sábado, 24 de dezembro de 2005

Reconhecimento

Samarone Lima

Reconheci tua voz em algum degrau
Desta escada que jamais subi
(tua mão tremia no meu compasso
e o sol, aquecido,
moveu seu próprio coração
como este pássaro sonoro e sem destino).

Amei tuas palavras
Fiz um som calmo para a nascente
E banhei meus rios
No teu corpo imaginário

Agora, convém
não deixar que te perpetues
Em meu futuro

Lutarei para te dar o altar que mereces
Com minhas mãos de operário
Mas não de suplicante

Sei que ultrapassas meu sentido
E que margeias meu horizonte
De pedras e calçadas (e algo não tão firme
Quanto meus olhos)

Revelarei meu sonho ao pássaro deste dia
Celebrando tua ausência como o caminho
da lembrança

E meus pés serão planetas desencontrados
Margeando o futuro nesta vontade patética

Pois que sei que és livre
Para o rumor da saudade
E tão belo quanto simples
É não deixar que o amor
Seja mais raiz que planta
Mais solidão que encontro

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

No centro da vida

Samarine Lima

Para estar no centro da vida
É necessário ausentar-se da luz

Estando longe da luz
É preciso esquecer
O centro da vida

Para ausentar-se da luz
É necessário deixar o centro da vida

Para esquecer o centro da vida
É preciso estar longe da luz
É preciso estar dentro da luz

E com ela iluminar o próprio
crepúsculo

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

O que seremos

Samarone Lima

Vagaremos indecisos, imprecisos
Enxugaremos nossas lágrimas
Nas barras dos vestidos que vestem
Nossas antigas mulheres

Seremos inconclusos, desmemoriados
Distraídos
Seremos comovidos, cosmovidas
E não importa que o mundo cobre
Seu antigo preço

Soluçaremos sem soluções
As mãos erguidas serão para abraços
Haverá brilho nos olhos
Mesmo que a luz seja fraca

Aos poucos, seremos o rosto do outro
Adormecido, pousado

Seremos inconclusos, desavisados, esquecidos
Mas estaremos dentro do ciclo da vida

Seremos o que somos:

Cordão que enlaça o mesmo tecido

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Carrossel

Samarone Lima

Empresta-me este carrossel
Que hoje o dia está triste
E há pouco abrigo
Poucos braços

Quero girar com alegria
Acenando
Para alguém que já não me espera

Troco este dia
Pelo último balanço
Da roda gigante
Que temi na infinita infância
Que já não gira

Ê balanço...
Do alto posso ver a terra
Posso ver o pátio
Posso ver os olhos

Ê balanço...
Do alto posso ver a vida
Posso ver o amor
Posso ver o que ficou

Só não posso ver
o que de mim restou