quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Mortes

Nunca bombas cegas

Queimam minha rua

Destroem meu telhado, cômodas, cristaleitas

Calendários.


Nunca

Matam meus irmãos

Meus animais

Meus amigos de infância.


A guerra nunca nos alcançou em plena vida.

Não há feridos na família

Mutilados no combate

Cegados pelo invasor

Amputados à revelia.


Não há condecorados nas fotografias.

Meus avós não deixaram

Medalhinhas frias em gavetas

Que abri há pouco.



Os túmulos não são de soldados

Mortos pelo fogo alheio

No céu de alguma mocidade.


Na lista dos que caíram

Não está meu professor do primário

O padeiro José

O dono da venda que me deu conselhos.



Não nos meteram uniformes

Para estremecer os rumores da vida.


Morremos nos matando.

Sem o grito de guerra

Sem armistício.



Há trincheiras nos bares noturnos

Nas ruas sem nome

Nas calçadas estreitas.



Não há canhões.

Usamos facas, pedras, revólveres

Estiletes.



Usamos tudo o que fere, maltrata

Tudo o que mata

O que dá sangue

Tudo o que escorre pelas vielas

Vence e vai.


Matamos como um bom dia,

Após o café, na volta pra casa.

Contamos cadáveres ao final da semana

Do mês, do ano

Da década

Para descobrir que matamos mais

Que nas guerras.



Medimos, compilamos, estaticamos.

Há fotos nos jornais

De defuntos que nunca

Se esconderam a tempo.



Os moços, os morenos, os que vieram

Com poucos documentos

Poucos amigos

Os que vivem com poucos dentes

Nascem morrendo

Vivem morrendo

Morrem morrendo.


Depois eles morrem mais

Morrem de joelhos.


Não sei o que pensam nesse instante final

Que palavra teriam para dizer

Uma palavra para guardar.



Não enterramos nossos mortos

Com a bandeira nacional

Salva de tiros

Continências

Cornetas.


Não há minuto de silêncio.

Temos pressa para crescer

Para alcançarmos o futuro

Essas mortes nos aborrecem.


Morremos sem escândalo

Sem alarde

Morremos bem.


Matamos bem

Como os melhores exércitos.