segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A casa da tia


Lembro de julho.
Julho era um Fusca cinza, invencível

Cruzando uma estrada sem fim.
Hoje, sei que são 1.135 quilômetros.

No passado da minha infância
Não eram quilômetros, eram dias

Eram meus pais, meus irmãos.
Contávamos os bois, as vacas

Do lado direito e esquerdo
E meu pai fumava Hollywood.

Outro dia encontrei uma foto
De uma parada à beira da estrada:

José e Maria
Paulo, Antônio e Samarone

(só eu não tinha nome de santo).

No Crato, éramos reis diluídos e sem regras

Criava-se outra constituição.
Meu pai, em Seu Almir

Com seus camaradas de ofício.
Minha mãe, com as tias

Meus irmãos e eu
Com os primos

Na casa de Tia Teresa
(nosso castelo, uma vez por ano e para sempre).

O dono da casa, tio Nogueira
Gostava de whisky e de cartas

E nunca o vi solene.

Todos cresceram
Perderam seus reinos

Ganharam outros.

Por causa do baralho
A casa foi confiscada

Pelo Banco do Brasil.
(Quando tio Nogueira morreu

Encontraram um baralho novinho
Em seu bolso esquerdo).

 
Os filhos cresceram
E estão a ponto de pegar a casa de volta.

(O quintal era cheio de árvores e frutas
e cortaram todas).


O que faria o Banco do Brasil

Com a casa de tia Tereza
A não ser blasfemar nossa infância? 

Aurora, 11 e 12.IX.2012