sábado, 29 de abril de 2006

Aprendizado

Samarone Lima

As flores me ensinaram
mais que os homens
as folhas mais que os livros
vaga-lumes me ensinaram mais
que todas as lâmpadas acesas

Os rios passaram em silêncio
e me ensinaram a deixar de lado
o sonho das margens

O mar imenso e inquieto
pôs a mão em meu coração

As estrelas apagadas
me deram o encontro
com minha noite

As flores mortas
me ensinaram a devolver o amor
que resvalou pelos olhos
e pelas pedras
aqui dentro

A folha me disse que algo sincero
como o equilibrio entre o vento
e o chão

Engoli vaga-lumes
e desvendei antigas trevas

Os rios secaram
acalmando minhas veias

O mar sereno pôs a mão
em meu coração
e pude chorar
transbordando meu cálice duro

As estrelas acesas
roçaram minhas pálpebras
e o que eu tinha de mais puro
adormeceu

segunda-feira, 24 de abril de 2006

O amanhã

Por Samarone Lima

Todos os dias pela manhã
quando morro sem perceber
alguma janela se abre
alguma janela simplesmente
se abre

Meu cadáver segue pelas ruas
meu cortejo se expande
pelas mãos dos amigos
enquanto algumas mulheres
compram o pão
simplesmente compram o pão

Finalmente,
quando a ternura me engole
mastiga meus ossinhos brancos
e sou apenas letras no mármore
da lembrança
o homem da venda
cobra um velho débito
e um cliente zangado
diz que só pagará amanhã
como se houvesse mesmo
o que chamam de amanhã.