Princípio do Dia
A amiga Yvette sempre me manda coisas lindas.
Hoje chegou este poema do Ruy Knopfly. Compartilho e celebro.
***
"Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.
Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.
No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.
E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.
(Amanhã volto a experimentar).
Rui Knopfli
2 Comentários:
E pra tabela com Yvette, do mesmo autor moçambicano:
MAXILAR TRISTE
Suave curva dolorosa
atenuando o bordo rijo
desse rosto derradeiro
de brancura infinita.
Impugnando-lhe a doçura,
a antinomia do tempo
acentuará os duros ângulos
num mapa de tristeza
irreparável. O sorriso
vago nela projecta um
brilho fosco de loiça antiga:
espreitando na carne
os dentes anunciam o resto."
Salve.
Pra que tantas palavras ? Melhor não tê-las, que venha sempre raiar o esquecimento.
Palavras vazias, pura palavras ocas. Furadas, mal avisadas, cegamente distorcidas. São as tuas, as tuas palavras iludidas.
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