domingo, 10 de outubro de 2010

O perdão

o perdão cresce em minhas pernas
sai pelos meus cabelos
como um espantalho que se perde.

Não há mais sangue
para correr na luz difusa
para me devolver uma dor
que já não é minha.

Estendo as mãos ao passado
(esse companheiro de ternas alianças
tantos remédios
que já se acreditava pronto).

O sol, os rios, os mares
tantos gigantes indefesos
que rechaçaram suas fúrias.

Assim, na transparência dos minutos
abandono antigas lutas
que julguei minhas.

Deixo ao perdão
uma tarefa de ser
em meu lugar.

Sou em meus cabelos de fogo
minhas unhas pequenas
minha pele enrugada e antiga.

Sou em minhas palavras, meu silêncio
minha voz sem ritmo.

Sou meu nome.

Adeus sem destino.


lisboa, 4.x.2010

2 Comentários:

Às segunda-feira, outubro 11, 2010 , Blogger Arsenio disse...

Para mim, Sama,

Esse poema é, talvez, um dos mais bonitos e denos que li NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS.

E está dito o necessário, como diria Drummond.

E por falar em Drummnod, para tabelar com o poema, mando este:


"A Bruxa

Nesta cidade do Rio
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
Anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
Mas é vida. E sinto a Bruxa
Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
Desses calados, distantes,
Que lêem verso de Horácio
Mas secretamente influem
Na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
E a essa hora tardia
Como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
Que entrasse nesse minuto,
Recebesse esse carinho
Salvasse do aniquilamento
Um minuto e um carinho loucos
Que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes
Quantas mulheres prováveis
Interrogam-se no espelho
Medindo o tempo perdido
Até que venha a manhã
Trazer leite, jornal, calma.
Porém a essa hora vazia
Como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras

Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
Querendo romper a noite
Não é simplesmente a Bruxa.
É antes a confidência
Exalando-se de um homem. "

1967 - JOSÉ & OUTROS

 
Às segunda-feira, outubro 11, 2010 , Blogger Magna Santos disse...

Este poema, Sama, é daqueles que ficamos calados, quando lemos, porque tudo já foi dito.
Em especial, destaco:
"Estendo as mãos ao passado
(esse companheiro de ternas alianças
tantos remédios
que já se acreditava pronto)".
Isto é que é sabedoria, meu amigo.

Arsênio, também não vou dizer nada. Já foi dito. "Bendito".

Beijos.
Magna

 

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