terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Auto composição

Samarone Lima

Sou feito de sementes que não desabrocharam
que caíram intactas das mãos dos velhos
na hora do plantio
e saí do campo fértil
quando tinha a colheita à vista.

De tempos em tempos
meu coração é visitado por passarinhos
que erram o caminho
e batem no vidro
e já não sabem se estão dentro
querendo sair
ou se estão fora, querendo voltar.

De tempos em tempos,
colho girassóis que ao minha saudade plantou
em terras que não são minhas.

Sou feito de saudades mais amplas
que os mapas-mundi
das dores que herdei
dos homens que se foram sem destino
de mulheres que ficaram
abraçadas ao silêncio.

Todos os dias peço perdão
pelos erros que não cometi
e não obtenho resposta de nenhum deus
mas a lembrança de vultos
que não têm nome
de sorrisos que não compreendo
sombras que passara na minha infância.

Não há de ser nada,
eu sempre dizia
antes de dormir
deve ser algum fantasma
que entrou na casa
porque a porta estava entreaberta.

Tudo o que dói em mim
é de alguém que se mudou
e me alugou a alma
em vez da casa.

Tudo o que sofro
é da alma de um fulano
que não lembro o nome
que nem sei mais onde está
e que talvez me procure
numa rua que sequer existe.

Camaguey, Cuba, 11/01/08

samalima@gmail.com

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